"(...)Andava por ela da forma que mais me interessa. Sem correria, com tempo para observar lugares e pessoas. A Paulista, assim como a praça da Sé, significa o Brasil na sua complexidade. O olhar lento e preguiçoso que permite escolher, com a devida calma, o lugar para almoçar, ainda que resultasse na praça de alimentação de sempre.
Enquanto decidia o que comer, cruzei duas vezes com um senhor cinquentão, jamaicano da gema, não de nascimento, mas de adoção. O retrato do estereótipo Bob Marley da cultura pop. Cabelos rastafári, postura zen, sorriso no rosto, serenidade na fala, desapego material, discurso paz e amor.
Na primeira vez, trocamos sorrisos, de vendedor e potencial cliente, mas eu estava em movimento e em uma fase mão de vaca. Não reparei no que ele vendia. Apenas fui simpático. Na volta, ele vendia o que eu precisava: pulseiras. Claro, pulseiras nas cores verde, amarelo e preta, ligadas à cultura da jamaica. Nada como lembrança de uma promessa sem demasiado esforço.
Em 30 segundos, fechamos negócio. Mercadoria no bolso da camisa do comprador, dinheiro na mão do jamaicano. Aí ele viu um livro em minha mão. Uma obra sobre educação, ainda sem opinião definida do leitor. O senhor Jamaica olhou para mim e disse:
-Eu gosto de ler.
Surpreso, respondi de maneira polida, com um ridículo clichê distorcido.
-Ler abre a mente. Abre a cabeça para o mundo.
Ele tomou o livro de minhas mãos e observou atentamente a capa. Comentou amenidades. Até que olhou para a multidão em velocidade, fugindo para a frente da TV. Virou-se para mim e falou:
-Pena que as pessoas não sabem o que fazer com o que leem. Não sabem o que fazer com elas mesmas.
Quando se testemunha um instante de sabedoria, tão raro numa sociedade que ama tagarelar, a obrigação do interlocutor é ficar em silêncio. Mudo e sorridente, agradeci com a cabeça e segui pela avenida Paulista." Marcus Vinícius Batista em "Quando Os Mudos Conversam". É um livro de crônicas de um excelente professor que me deu aula na faculdade, já há um tempo que eu li e queria transcrever essa parte pra cá.
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